INTRODUÇÃO
Apresentamos, numa versão modernizada, textos considerados apócrifos e que
trazem importantes informações a respeito da vida de Cristo, preenchendo lacunas
até então criadas pelos Evangelhos constantes da Bíblia.
Estes textos
retratam os acontecimentos que precederam o nascimento de Cristo, contando a
história de Maria e da natividade, além da história da infância do Senhor Jesus,
no Evangelho de Tomé. Há também excertos do Livro da Infância do Salvador, onde
a vida de Jesus, dos cinco aos doze anos, é retratada.
Vale lembrar que numa
outra obra desta coleção, o Evangelho de São Pedro, a Infância de Cristo é
apresentada na sua íntegra, mostrando fatos e passagens importantes da vida do
Senhor Jesus, nos seus primeiros anos.
Os textos chamados de apócrifos são
aqueles não incluídos pela Igreja no Cânon das Escrituras autênticas e
divinamente inspiradas.
Como foi feita essa seleção, até hoje a Igreja não
explicou adequadamente. Se inspirados ou não, são relatos dos primeiros tempos
do Cristianismo, importantes para quem deseja conhecer a fundo essa
religião.
A NATIVIDADE
Este livro, apesar de conhecido como o Evangelho de
Tiago ou Proto-Evangelho de Tiago, tem sua autoria desconhecida. Publicado em
fins do século XVI, não se sabe exatamente ainda qual a época em que foi
escrito, mas os maiores estudiosos dos Livros Apócrifos afirmam que é anterior
aos Quatro Evangelhos Canônicos, servindo, em muitos aspectos, como base para
estes.
O Proto-Evangelho de Tiago conta a vida de Maria, seu nascimento de
Ana e Joaquim, considerados estéreis, de como foi sua educação no Templo até a
sua puberdade, como se deu a escolha de seu futuro esposo, José, velho, viúvo e
pai de seis filhos: Judas, Josetos, Tiago, Simão, Lígia e Lídia. Continua,
narrando a concepção e a virgindade, que se manteve após dar à luz o Salvador,
numa caverna. Fala da estrela misteriosa e radiante, que guiou os magos até a
caverna e da nuvem de luz que pairou sobre o local, na hora em que o Senhor
Jesus nascia.
Narra, também, a participação da parteira que testemunhou a
virgindade de Maria, após o nascimento do Senhor E cita o testemunho de uma
parteira que constatou a virgindade de Maria após dar à luz.
PROTO-EVANGELHO
DE TIAGO
i
Segundo narram as memórias das doze tribos de Israel, havia um
homem muito rico, de nome Joaquim, que fazia suas oferendas em quantidade
dobrada, dizendo:
- O que sobra, ofereça-o para todo o povoado e o devido na
expiação de meus pecados será para o Senhor, a fim de ganhar-lhe as boas
graças.
Chegou a grande festa do Senhor, na qual os filhos de Israel devem
oferecer seus donativos. Rubem se pôs à frente de Joaquim, dizendo-lhe:
- Não
te é lícito oferecer tuas dádivas, enquanto não tiveres gerado um rebento em
Israel.
Joaquim mortificou-se tanto que se dirigiu aos arquivos de Israel,
com intenção de consultar o censo genealógico e verificar se, porventura, teria
sido ele o único que não havia tido prosperidade em seu povoado.
Examinando
os pergaminhos, constatou que todos os justos haviam gerado descendentes.
Lembrou-se, por exemplo, de como o Senhor deu Isaac ao patriarca Abraão, em seus
derradeiros anos de vida.
Joaquim ficou muito atormentado, não procurou sua
mulher e se retirou para o deserto. Ali armou sua tenda e jejuou por quarenta
dias e quarenta noites, dizendo:
- Não sairei daqui nem sequer para comer ou
beber, até que não me visite o Senhor meu Deus. Que minhas preces me sirvam de
comida e de bebida.
II
Ana lamentava-se e gemia dolorosamente,
dizendo:
- Chorarei minha viuvez e minha esterilidade.
Chegou, porém, a
grande festa do Senhor e disse-lhe Judite, sua criada:
- Até quando vais
humilhar tua alma? Já é chegada a festa maior e não te é lícito entristecer-te.
Toma este lenço de cabeça, que me foi dado pela dona da tecelagem, já que não
posso cingir-me com ele por ser eu de condição servil e levar ele ao selo
real.
Disse Ana:
- Afasta-te de mim, pois que não fiz tal coisa e, além do
mais, o Senhor já me humilhou em demasia para que eu o use. A não ser que algum
malfeitor o haja dado e tenhas vindo para fazer-me também cúmplice do
pecado.
Replicou Judite:
- Que motivo tenho eu para maldizer-te, se o
Senhor já te amaldiçoou não te dando fruto de Israel?
Ana, ainda que
profundamente triste, despiu suas vestes de luto, cingiu-se com um toucado,
vestiu suas roupas de bodas e desceu, na hora nona, ao jardim para passear. Ali
viu um loureiro, assentou-se à sua sombra e orou ao Senhor, dizendo:
- Ó Deus
de nossos pais! Ouve-me e bendize-me da maneira que bendisseste o ventre de
Sara, dando-lhe como filho Isaac!
III
Tendo elevado seus olhos aos céus,
viu um ninho de passarinhos no loureiro e novamente lamentou-se dizendo:
- Ai
de mim! Por que nasci e em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser como
terra maldita entre os filhos de Israel. Estes me cumularam de injúrias e me
escorraçaram do templo de Deus. Ai de mim! A quem me assemelho eu? Não às aves
do céu, pois elas são fecundas em tua presença, Senhor. Ai de mim! A quem me
pareço eu? Não às bestas da terra, pois que até esses animais irracionais são
prolíficos ante teus olhos, Senhor. Ai de mim! A quem me posso comparar? Nem
sequer a estas águas, porque até elas são férteis diante de ti, Senhor. Ai de
mim! A quem me igualo eu? Nem sequer a esta terra, porque ela também é
fecundada, dando seus frutos na ocasião própria e te bendiz,
Senhor.
IV
Eis que se lhe apresentou o anjo de Deus, dizendo-lhe:
-
Ana, Ana, o Senhor escutou teus rogos! Conceberás e darás à luz e de tua prole
se falará em todo o mundo.
Ana respondeu:
- Viva o Senhor meu Deus, que,
se chegar a ter algum fruto de bênção, seja menino ou menina, levá-lo-ei como
oferenda ao Senhor e estará a seu serviço todos os dias de sua vida.
Então
vieram a ela dois mensageiros com este recado:
- Joaquim, teu marido, está de
volta com seus rebanhos, pois que um anjo de Deus desceu até ele e lhe disse que
o Senhor escutou seus rogos e que Ana, sua mulher, vai conceber em seu
ventre.
Tendo saído Joaquim, mandou que seus pastores lhe trouxessem dez
ovelhas sem mancha.
Disse ele:
- Estas serão para o Senhor.
Mandou,
então separar doze novilhas de leite, dizendo:
- Estas serão para os
sacerdotes e para o sinédrio.
Finalmente, mandou apartar cem cabritos para
todo o povoado.
Ao chegar Joaquim com seus rebanhos, estava Ana à porta e, ao
vê-lo chegar, pôs-se a correr e atirou-se ao seu pescoço dizendo:
- Agora
vejo que Deus me bendisse copiosamente, pois, sendo viúva, deixo de sê-lo e,
sendo estéril, vou conceber em meu ventre.
Então Joaquim repousou naquele dia
em sua casa.
V
No dia seguinte, ao ir oferecer sua dádivas ao Senhor,
dizia para consigo mesmo:
- Saberei se Deus me vai ser favorável se eu chegar
a ver o éfode do sacerdote.
Ao oferecer o sacrifício, observou o éfode do
sacerdote, quando este se acercava do altar de Deus, e, não encontrando pecado
algum em sua consciência, disse:
- Agora vejo que o Senhor houve por bem
perdoar todos os meus pecados.
Desceu Joaquim justificado do templo e foi
para casa. O tempo de Ana cumpriu-se e no nono mês deu à luz.
Perguntou à
parteira:
- A quem dei à luz?
A parteira respondeu:
- Uma
menina.
Então Ana exclamou:
- Minha alma foi enaltecida – e reclinou a
menina no berço.
Ao fim do tempo marcado pela lei, Ana purificou-se, deu o
peito à menina e pôs-lhe o nome de Maria.
VI
Dia a dia a menina ia
robustecendo-se. Ao chegar aos seis meses, sua mãe deixou-a só no chão, para ver
se sustentava-se de pé. Ela, depois de andar sete passos, voltou ao regaço de
sua mãe. Esta levantou-se, dizendo:
- Salve o Senhor! Não andarás mais por
este solo, até que te leve ao templo do Senhor.
Fez-lhe um oratório em sua
casa e não consentiu que nenhuma coisa vulgar ou impura passasse por suas mãos.
Chamou, além disso, umas donzelas hebréias, todas virgens, para que a
entretivessem.
Quando a menina completou um ano, Joaquim deu um grande
banquete, para o qual convidou os sacerdotes, os escribas, o sinédrio e todo o
povo de Israel. Apresentou a menina aos sacerdotes, que a abençoaram assim:
-
Ó Deus de nossos pais, bendiz esta menina e dá-lhe um nome glorioso e eterno por
todas as gerações.
Ao que todo o povo respondeu:
- Assim seja, assim seja!
Amém!
Apresentou-a também Joaquim aos príncipes e aos sacerdotes e estes a
abençoaram assim:
- Ó Deus Altíssimo, põe teus olhos nesta menina e
outorga-lhe uma bênção perfeita, dessas que excluem as ulteriores.
Sua mãe
levou-a ao oratório de sua casa e deu-lhe o peito. Compôs, então, um hino ao
Senhor Deus, dizendo:
- Entoarei um cântico ao Senhor meu Deus, porque me
visitaste, afastaste de mim o opróbrio de meus inimigos e me deste um fruto
santo, que é único e múltiplo a seus olhos. Quem dará aos filhos de Rubem a
notícia de que Ana está amamentando? Ouvi, ouvi, ó Doze Tribos de Israel: Ana
está amamentando!
Tendo deixado a menina para que repousasse na câmara onde
havia o oratório, saiu e pôs-se a servir os comensais. Estes, uma vez terminada
a ceia, saíram regozijando-se e louvando ao Deus de
Israel.
VII
Entretanto, os meses iam-se passando para a menina. Ao fazer
dois anos, disse Joaquim a Ana:
- Levemo-la ao templo do Senhor para cumprir
a promessa que fizemos, para que Senhor não a reclame e nossa oferenda se torne
inaceitável a seus olhos.
Ana respondeu:
- Esperamos, todavia, até que
complete três anos, para que a menina não tenha saudades de nós.
Joaquim
respondeu:
- Esperaremos.
Ao chegar aos três anos, disse Joaquim:
-
Chama as donzelas hebréias que não têm mancha e que tomem, duas a duas, uma
candeia acesa e a acompanhem, para que a menina não olhe para trás e seu coração
seja cativado por alguma coisa fora do templo de Deus.
Assim fizeram enquanto
iam subindo ao templo de Deus. Lá recebeu-a o sacerdote, o qual, depois de tê-la
beijado, abençoou-a e exclamou:
- O Senhor engrandeceu teu nome diante de
todas as gerações, pois que, no final dos tempos, manifestará em ti sua redenção
aos filhos de Israel.
Fê-la sentar-se no terceiro degrau do altar. O Senhor
derramou graças sobre a menina, que dançou cativando toda a casa de
Israel.
VIII
Saíram, então, seus pais, cheios de admiração, louvando ao
Senhor Deus porque a menina não havia olhado para trás. Maria permaneceu no
templo como uma pombinha, recebendo alimento pelas mãos de um anjo.
Ao
completar doze anos, os sacerdotes reuniram-se para deliberar, dizendo:
- Eis
que Maria cumpriu doze anos no templo do Senhor. Que faremos para que ela não
chegue a manchar o santuário?
Disseram ao sumo sacerdote:
- Tu que tens o
altar ao teu cargo, entra e ora por ela. O que o Senhor te disser, isso será o
que haveremos de fazer.
O sumo sacerdote, cingindo-se com o manto das doze
sinetas, entrou no Santo dos Santos e orou por ela. Eis que um anjo do Senhor
apareceu, dizendo-lhe:
- Zacarias, Zacarias, sai e reúne a todos os viúvos do
povoado. Que cada um venha com um bastão e o daquele em que o Senhor fizer um
sinal singular, deste será ela a esposa.
Saíram os arautos por toda a região
da Judéia e, ao soar a trombeta do Senhor, todos acudiram.
IX
José,
deixando de lado sua acha, uniu-se a eles. Uma vez que se juntaram todos,
tomaram cada qual seu bastão e puseram-se a caminho, à procura do sumo
sacerdote. Este tomou todos os bastões, entrou no templo e pôs-se a orar.
Terminadas as suas preces, tomou de novo os bastões e os entregou, mas em nenhum
deles apareceu sinal algum. Porém, ao pegar José o último, eis que uma pomba
saiu dele e se pôs a voar sobre sua cabeça. Então o sacerdote disse:
- A ti
coube a sorte de receber sob tua custódia a Virgem do Senhor.
José
replicou:
- Tenho filhos e sou velho, enquanto que ela é uma menina. Não
gostaria de ser objeto de zombaria por parte dos filhos de Israel.
Então
tornou o sacerdote:
- Teme ao Senhor teu Deus e tem presente o que fez Ele
com Datan, Abiron e Corê, de como abriu-se a terra e foram sepultados por sua
rebelião. Teme agora tu também, José, para que não aconteça o mesmo a tua
casa.
Ele, cheio de temor, recebeu-a sob proteção. Depois, disse-lhe:
-
Tomei-te do templo. Deixo-te agora em minha casa e vou continuar minhas
construções. Logo voltarei. O Senhor te guardará.
X
Os sacerdotes, então,
reuniram-se e concordaram em fazer um véu para o templo do Senhor.
O sumo
sacerdote disse:
- Chama algumas donzelas sem mancha, da tribo de Davi.
Os
ministros se foram e, depois de terem procurado, encontraram sete virgens. Então
o sacerdote lembrou-se de Maria, a jovenzinha que, sendo de estirpe davídica, se
conservava imaculada aos olhos de Deus. Os emissários foram buscá-la.
Depois
de as terem introduzido no templo, disse o sacerdote:
- Vejamos qual há de
bordar o ouro, o amianto, o linho, a seda, o zircão, o escarlate e a verdadeira
púrpura.
O escarlate e a verdadeira púrpura couberam a Maria que, tomando-as,
foi para casa.
Naquela época, Zacarias ficou mudo, sendo substituído por
Samuel, até quando pôde falar novamente. Maria tomou em suas mãos o escarlate e
pôs-se a tecê-lo.
XI
Certo dia, pegou Maria um cântaro e foi enchê-lo de
água. Eis que ouviu uma voz que lhe dizia:
- Deus te salve, cheia de graça! O
Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres!
Ela olhou a sua volta, à
direita, à esquerda, para ver de onde vinha aquela voz. Tremendo, voltou para
casa, deixou a ânfora, pegou a púrpura, sentou-se no divã e pôs-se a tecê-la.
Logo um anjo do Senhor apresentou-se diante dela, dizendo:
- Não temas,
Maria, pois alcançaste graça ante o Senhor onipotente e vais conceber por Sua
palavra!
Ela, ao ouví-lo, ficou perplexa e disse consigo mesma:
- Deverei
eu conceber por virtude de Deus vivo e haverei de dar à luz como as demais
mulheres?
Ao que lhe respondeu o anjo:
- Não será assim, Maria, pois que a
virtude do Senhor te cobrirá com sua sombra. Depois, o fruto santo que deverá
nascer de ti será chamado de Filho do Altíssimo. Chamar-lhe-ás Jesus, pois Ele
salvará seu povo de suas iniqüidades. Então, disse Maria:
- Eis aqui a
escrava do Senhor em Sua presença. Que isto aconteça a mim conforme Sua
palavra.
XII
Concluído seu trabalho com a púrpura e o escarlate, levou-o
ao sacerdote. Este a abençoou dizendo:
- Maria, o Senhor enaltecer seu nome e
serás bendita entre todas as gerações da terra.
Cheia de alegria, Maria foi à
casa de sua parente Isabel. Chamou-a da porta e, ao ouví-la, Isabel largou o
escarlate, correu para a porta, abriu-a e, vendo Maria, louvou-a dizendo:
-
Que fiz eu para que a mãe do meu Senhor venha a minha casa? Pois saiba que o
fruto que carrego em meu ventre se pôs a pular dentro de mim, como que para
bendizer-se.
Maria havia se esquecido dos mistérios que o anjo Gabriel lhe
comunicara, elevou os olhos aos céus e disse:
- Quem sou eu, Senhor, para que
todas as gerações me bendigam?
Passou três meses em casa de Isabel. Dia a dia
seu ventre aumentava e, cheia de temor, pôs-se a caminho de casa e escondia-se
dos filhos de Israel. Quando sucederam essas coisas, ela contava dezesseis
anos.
XIII
Ao chegar Maria ao sexto mês de gravidez, voltou José de suas
construções e, ao entrar em casa, deu-se conta de que ela estava grávida. Então,
feriu seu próprio rosto, jogou-se no chão sobre uma manta e chorou amargamente,
dizendo:
- Como é que me vou apresentar agora diante do meu Senhor? E que
oração direi eu agora por esta donzela, pois que a recebi virgem do templo do
Senhor e não a soube guardar? Será que a história de Adão se repetiu comigo?
Assim como no instante em que ela estava glorificando a Deus veio a serpente e,
ao encontrar Eva sozinha, a enganou, o mesmo me aconteceu.
Levantando-se,
José chamou Maria e disse-lhe:
- Predileta como eras de Deus, como foste
capaz de fazer isso? Acaso te esqueceste do Senhor teu Deus? Com pudeste
vilipendiar tua alma, tu que te criaste no Santo dos Santos e recebeste alimento
das mãos de um anjo?
Ela chorou amargamente dizendo:
- Sou pura e não
conheço varão algum.
Replicou José:
- De onde, pois, provém o que carregas
no seio?
Ao que Maria respondeu:
- Pelo Senhor, meu Deus, eu juro que não
sei como aconteceu.
XIV
José encheu-se de temor, retirou-se da presença de
Maria e pôs-se a pensar sobre o que faria com ela. Dizia consigo próprio:
-
Se escondo seu erro, contrario a lei do Senhor. Se a denuncio ao povo de Israel,
temo que o que acontecer a ela se deva a uma intervenção dos anjos e venha a
entregar à morte uma inocente. Como deverei proceder, pois? Mandá-la embora às
escondidas.
Enquanto isso, caiu a noite. Eis que um anjo do Senhor lhe
apareceu em sonhos, dizendo-lhe:
- Não temas por esta donzela, pois o que ela
carrega em suas entranhas é fruto do Espírito Santo. Dará à luz um filho e lhe
porás o nome de Jesus, pois que ele há de salvar seu povo dos pecados.
Ao
despertar, José levantou-se, glorificou a Deus de Israel por haver-lhe concedido
tal graça e continuou guardando Maria.
XV
Por essa ocasião, veio à casa de
José um escriba chamado Anás, que lhe disse:
- Por que não compareceste à
nossa reunião?
Respondeu-lhe José:
- Estava cansado da caminhada e decidi
repousar este primeiro dia.
Ao voltar-se, Anás deu-se conta da gravidez de
Maria.
Então, correu ao sacerdote, dizendo-lhe:
- Esse José, por quem
respondes, cometeu uma falta grave.
- Que queres dizer com isso? – perguntou
o sacerdote. Ao que respondeu Anás:
- Pois violou aquela virgem que recebeu
do templo de Deus, com fraude de seu casamento e sem manifestá-lo ao povo de
Israel.
Disse o sacerdote:
- Estás certo de que foi José que fez tal
coisa?
Replicou Anás:
- Envia uma comissão e te certificarás de que a
donzela está realmente grávida.
Saíram os emissário e encontraram-na tal qual
havia dito Anás. Por isso levaram-na, juntamente com José, ante o tribunal.
O
sacerdote iniciou, dizendo:
- Maria, como fizeste tal coisa? Que te levou a
vilipendiar tua alma e esquecer-te do Senhor teu Deus? Tu que te criaste no
Santo dos Santos, que recebias alimento das mãos de um anjo, que escutaste os
hinos e que dançavas na presença de Deus? Como fizeste isso?
Ela se pôs a
chorar amargamente, dizendo:
- Juro pelo Senhor meu Deus que estou pura em
sua presença e que não conheci varão.
Então o sacerdote dirigiu-se a José,
perguntando-lhe:
- Por que fizeste isso?
Replicou José:
- Juro pelo
Senhor meu Deus, que me encontro puro com relação a ela.
Acrescentou o
sacerdote:
- Não jures em falso! Dize a verdade! Usaste fraudulentamente o
matrimônio e não o deste a conhecer ao povo de Israel. Não abaixaste tua cabeça
sob a mão poderosa de Deus, por quem sua descendência havia sido
bendita.
José guardou silêncio.
XVI
- Devolve, pois – continuou o
sacerdote, – a virgem que recebeste do templo do Senhor.
José ficou com os
olhos marejados em lágrimas. Acrescentou ainda o sacerdote:
- Farei com que
bebais da água da prova do Senhor e ela vos mostrará, diante de vossos próprios
olhos, vossos pecados.
Tomando da água, fez José bebê-la, enviando-o em
seguida à montanha, de onde voltou são e salvo. Fez o mesmo com Maria,
enviando-a também à montanha, mas ela voltou sã e salva.
Toda a cidade
encheu-se de admiração ao ver que não havia pecado neles.
Disse o
sacerdote:
- Posto que o Senhor não declarou vosso pecado, tampouco irei
condenar-vos.
Então despediu-os. Tomando Maria, José voltou para casa cheio
de alegria e louvado ao Deus de Israel.
XVII
Veio uma ordem do imperador
Augusto para que se fizesse o censo de todos os habitantes de Belém da
Judéia.
Disse José:
- A meus filhos posso recensear, mas que farei desta
donzela? Como vou incluí-la no censo? Como minha esposa? Envergonhou-me. Como
minha filha? Mas já sabem todos os filhos de Israel que não é! Este é o dia do
Senhor, que se faça a sua vontade.
Selando sua asna, fez com que Maria se
acomodasse sobre ela. Enquanto um de seus filhos ia à frente, puxando o animal
pelo cabresto, José os acompanhava. Quando estavam a três milhas de distância de
Belém, José virou-se para Maria e viu que ela estava triste.
Disse consigo
mesmo:
- Deve ser a gravidez que lhe causa incômodo.
Ao voltar-se
novamente, encontrou-a sorrindo e indagou-lhe:
- Maria, que acontece, pois
que algumas vezes te vejo sorridente e outras triste?
Ela lhe disse:
- É
que se apresentam dois povos diante de meus olhos: um que chora e se aflige e
outro que se alegra e se regozija.
Ao chegar à metade do caminho, disse Maria
a José:
- Desça-me, porque o fruto de minhas entranhas luta por vir à
luz.
Ele a ajudou a apear da asna, dizendo-lhe:
- Aonde poderia eu
levar-te para resguardar teu pudor, já que estamos em campo
aberto?
XVIII
Encontrando uma caverna, levou-a para dentro e, havendo
deixado seus filhos com ela, foi buscar uma parteira na região de Belém.
Eis
que José encontrou-se andando, mas não podia avançar. Ao levantar seus olhos
para o espaço, pareceu lhe ver como se o ar estivesse estremecido de assombro.
Quando fixou vista no firmamento, encontrou-o estático e os pássaros do céu,
imóveis. Ao dirigir seu olhar à terra, viu um recipiente no solo e uns
trabalhadores sentados em atitude de comer, com suas mãos na vasilha. Os que
pareciam comer, na realidade não mastigavam, e os que estavam em atitude de
pegar a comida, tampouco a tiravam do prato. Finalmente, os que pareciam levar
os manjares à boca, não o faziam, ao contrário, tinham seus rostos voltados para
cima.
Também havia umas ovelhas que estavam sendo tangidas, mas não davam um
passo. Estavam paradas. O pastor levantou sua destra para bater-lhes com um
cajado, mas parou sua mão no ar.
Ao dirigir seu olhar à corrente do rio, viu
como uns cabritinhos punham nela seus focinhos, mas não bebiam. Em uma palavra,
todas as coisas estavam afastadas, por uns instantes, de seu curso
normal.
XIX
Então uma mulher que descia da montanha disse-lhe:
- Aonde
vais?
Ao que ele respondeu:
- Ando procurando uma parteira hebréia.
Ela
replicou:
- Mas és de Israel?
Ele respondeu:
- Sim.
- E quem é a que
está dando à luz na caverna?
- É minha esposa.
- Então, não é tua
mulher?
Ele respondeu:
- É Maria, a que se criou no templo do Senhor, e
ainda que me tivesse sido dada por mulher, não o é, pois que concebeu por
virtude do Espírito Santo.
Insistiu a parteira:
- Isso é verdade?
José
respondeu:
- Vem e verás.
Então a parteira se pôs a caminho junto com ele.
Ao chegar à gruta, pararam, e eis que esta estava sombreada por uma nuvem
luminosa.
Exclamou a parteira:
- Minha alma foi engrandecida, porque meus
olhos viram coisas incríveis, pois que nasceu a salvação para Israel. De
repente, a nuvem começou a sair da gruta e dentro brilhou uma luz tão grande que
seus olhos não podiam resistir. Esta, por um momento, começou a diminuir tanto
que deu para ver o menino que estava tomando o peito da mãe, Maria. A parteira
então deu um grito, dizendo:
- Grande é para mim o dia de hoje, já que pude
ver com meus próprios olhos um novo milagre.
Ao sair a parteira da gruta,
veio ao seu encontro Salomé.
- Salomé, Salomé! – exclamou. – Tenho de te
contar uma maravilha nunca vista. Uma virgem deu à luz; coisa que, como sabes,
não permite a natureza humana.
Salomé replicou:
- Pelo Senhor, meus Deus,
não acreditarei em tal coisa, se não me for dado tocar com os dedos e examinar
sua natureza.
XX
Havendo entrado a parteira, disse a Maria:
-
Prepara-te, porque há entre nós uma grande querela em relação a ti.
Salomé,
pois, introduziu seu dedo em sua natureza, mas, de repente, deu um grito,
dizendo:
- Ai de mim! Minha maldade e minha incredulidade é que têm a culpa!
Por descrer do Deus vivo, desprende-se de meu corpo minha mão
carbonizada.
Dobrou os joelhos diante do Senhor, dizendo:
- Ó Deus de
nossos pais! Lembra-te de mim, porque sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó!
Não faças de mim um exemplo para os filhos de Israel! Devolve-me curada, porém,
aos pobres, pois que tu sabes, Senhor, que em teu nome exercia minhas curas,
recebendo de ti meu salário!
Apareceu um anjo do céu, dizendo-lhe:
-
Salomé, Salomé, Deus escutou-te. Aproxima tua mão do menino, toma-o e haverá
para ti alegria e prazer.
Acercou-se Salomé e o tomou, dizendo:
-
Adorar-te-ei, porque nasceste para ser o grande Rei de Israel.
De repente,
sentiu-se curada e saiu em paz da gruta. Nisso ouviu uma voz que dizia:
-
Salomé, Salomé, não contes as maravilhas que viste até estar o menino em
Jerusalém.
XXI
José dispôs-se a partir para Judéia. Por essa ocasião,
sobreveio um grande tumulto em Belém, pois vieram um magos dizendo:
- Aonde
está o recém-nascido Rei dos Judeus, pois vimos sua estrela no Oriente e viemos
para adorá-lo?
Herodes, ao ouvir isso, perturbou-se. Enviou seus emissários
aos magos e convocou os príncipes e os sacerdotes, fazendo-lhes esta
pergunta:
- Que está escrito em relação ao Messias? Aonde ele vai
nascer?
Eles responderam:
- Em Belém da Judéia, segundo rezam as
escrituras. Com isso, despachou-os e interrogou os magos com estas
palavras:
- Qual é o sinal que vistes em relação ao nascimento desse
rei?
Responderam-lhes os magos:
- Vimos um astro muito grande, que
brilhava entre as demais estrelas e as eclipsava, fazendo-as desaparecer. Nisso
soubemos que a Israel havia nascido um rei e viemos com a intenção de
adorá-lo.
Replicou Herodes:
- Ide e buscai-o, para que também possa eu ir
adorá-lo!
Naquele instante, a estrela que haviam visto no Oriente voltou
novamente a guiá-los, até que chegaram à caverna e pousou sobre a entrada dela.
Vieram, então, os magos a ter com o Menino e Sua mãe, Maria, e tiraram oferendas
de seus cofres: ouro, incenso e mirra.
Depois, avisados por um anjo para que
não entrassem na Judéia, voltaram a suas terras por outro caminho.
XXII
Ao
dar-se conta Herodes de que havia sido enganado, encolerizou-se e enviou seus
sicários, dando-lhes a missão de assassinar todos os meninos de menos de dois
anos.
Quando chegou até Maria a notícia da matança das crianças, encheu-se de
temor e, envolvendo seu filho em fraldas, colocou-o numa manjedoura.
Quando
Isabel inteirou-se de que também buscavam a seu filho João, pegou-o e levou-o a
uma montanha. Pôs-se a ver onde haveria de escondê-lo, mas não havia um lugar
bom para isso. Entre soluços, exclamou em voz alta:
- Ó Montanha de Deus,
recebe em teu seio a mãe com seu filho, pois que não posso subir mais
alto.
Nesse instante, abriu a montanha suas entranhas para recebê-los.
Acompanhou-os uma grande luz, pois estava com ele um anjo de Deus para
guardá-los.
XXIII
Herodes prosseguia na busca de João e enviou seus
emissários a Zacarias para que lhe dissessem:
- Aonde escondeste teu
filho?
Ele respondeu desta maneira:
- Eu me ocupo do serviço de Deus e me
encontro sempre no templo. Não sei onde está meu filho.
Os emissários
informaram a Herodes tudo o que se passara e ele encolerizou-se muito, dizendo
consigo mesmo:
- Deve ser seu filho que vai reinar em Israel.
Enviou,
então, um outro recado, dizendo-lhe:
- Diga-nos a verdade sobre onde está teu
filho, porque do contrário bem sabes que teu sangue está sob minhas
mãos.
Zacarias respondeu:
- Serei mártir do Senhor, se te atreveres a
derramar meu sangue, porque minha alma será recolhida pelo Senhor, ao ser segada
uma vida inocente no vestíbulo do santuário. Ao romper da aurora, foi
assassinado Zacarias, sem que os filhos de Israel se dessem conta desse
crime.
XXIV
Os sacerdotes se reuniram à hora da saudação, mas Zacarias não
saiu a seu encontro, como de costume, para abençoá-los. Puseram-se a esperá-lo
para saudá-lo na oração e para glorificar o Altíssimo.
Ante sua demora,
começaram a ter medo. Tomando ânimo, um deles entrou, viu ao lado do altar
sangue coagulado e ouviu uma voz que dizia:
- Zacarias foi morto e não se
limpará o seu sangue até que chegue o vingador.
Ao ouvir a voz, encheu-se de
temor e saiu para informar os sacerdotes que, tomando coragem, entraram e
testemunharam o ocorrido. Então, os frisos do templo rangeram e eles rasgaram
suas vestes de alto a baixo.
Não encontraram o corpo, somente a poça de
sangue coagulado. Cheios de temor, saíram para informar a todo o povo que
Zacarias havia sido assassinado. A notícia correu em todas as tribos de Israel,
que o choraram e guardaram luto por três dias e três noites.
Concluído esse
tempo, reuniram-se os sacerdotes para deliberar sobre quem iriam pôr em seu
lugar. Recaiu a sorte sobre Simeão, pois, pelo Espírito Santo, havia sido
assegurado de que não veria a morte até que lhe fosse dado contemplar o Messias
Encarnado.
XXV
Eu, Tiago, escrevi esta história. Ao levantar-se um grande
tumulto em Jerusalém, por ocasião da morte de Herodes, retirei-me ao deserto até
que cessasse o motim, glorificando ao Senhor meu Deus, que me concedeu a graça e
a sabedoria necessárias para compor esta narração.
Que a graça esteja com
todos aqueles que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, para quem deve ser a glória.
http://www.gnosisonline.org/teologia-gnostica/a-infancia-de-cristo-segundo-tiago/