...............:::::::::::::::::::::::::::Deus é Grande!!!
.............:::::::::::::::::::::::::::::God is Great!
.............::::::::::::::::::::::::::::::::الله أكبر!!
Fundador do Instituto Gesundheit, nos Estados Unidos, hospital filantrópico onde se pratica medicina gratuita com alegria e compaixão, Adams se considera um ativista político
Cunha Jr.: Boa noite! Ele vem mostrando ao mundo que rir é mesmo o melhor remédio, ainda mais quando se trata de curar um doente. Mágoas e tristezas têm relação direta com doenças, ao mesmo tempo que humor e alegria estão diretamente ligados ao bem estar. Nosso convidado de hoje é um médico que sabe tanto disso que recorreu ao nariz de palhaço e aos cabelos coloridos para alegrar e diminuir o sofrimento de pessoas doentes. No centro do Roda Viva, Patch Adams, o médico americano que há mais de trinta anos vem transformando quarto de hospital em picadeiro. Você vê a entrevista em instantes. [intervalo]Cunha Jr.: Humor, compaixão, alegria e esperança. Sentimentos que um médico raramente consegue levar a um paciente, além dos remédios. Patch Adams, ao juntar duas habilidades – a de médico e a de palhaço – criou uma terapia voltada para a cura através do riso ou, ao menos, para diminuir o sofrimento de pessoas que estão doentes. A idéia inspirou outros profissionais no mundo e foi tema de um filme que fez muita gente rir e também se comover.[Comentarista]: Patch Adams, o amor é contagioso. O filme de 1998 [direção de Tom Shadyac e roteiro de Steve Oedekerk, baseado no livro de Hunter "Patch" Doherty Adams e Maureen Mylander, Gesundheit: good health is a laughing matter], com Robin Williams no papel principal, é baseado na história pessoal de Hunter Adams, um americano que, ao entrar em depressão aos 40 anos de idade, internou-se por conta própria numa clínica psiquiátrica. Ganhou de um dos internos o apelido de Patch, que acabou adotando como nome principal. Considerando que seus problemas eram pequenos comparados aos dos demais internos, Patch Adams deixou a clínica psiquiátrica. Dois anos depois decidiu estudar medicina e, já na faculdade, chamou a atenção para seu estilo brincalhão e irreverente. Com alegria e criatividade, aproximou-se de enfermeiros e pacientes, procurando mostrar que compaixão, envolvimento, empatia e humor tinham tanta importância no tratamento de doentes quanto remédios e tecnologias novas. Alvo de críticas, idealista e um dos melhores alunos da turma, Patch Adams contagiou colegas com a premissa de que o médico deve melhorar a qualidade de vida do paciente e não apenas adiar a morte. Depois de formado, em 1971, montou, nos Estados Unidos, sua sonhada clínica, o Instituto Gesundheit, que significa saúde, em alemão, e atende pacientes de graça. A clínica se tornou referência para milhares de profissionais interessados no trabalho de Patch Adams, e influenciou o surgimento de vários grupos no mundo. No Brasil, existem várias entidades que, de maneiras diferentes, ajudam no trabalho de recuperação de doentes. Entre os mais conhecidos estão os Doutores da Alegria: artistas, profissionais especializados em artes circenses e também treinados em procedimentos hospitalares trabalham em duplas levando alegria e diversão a crianças hospitalizadas. Outro grupo é a Associação Viva e Deixe Viver, formada por voluntários que se dedicam a contar histórias para crianças e adolescentes internados em hospitais. Longe dos centros urbanos, outro grupo, Projeto Saúde e Alegria, leva atendimento médico, educação e cultura e ajuda a implantar projetos sociais em 143 comunidades ribeirinhas da região amazônica. Atenção, amor, esperança, generosidade são sentimentos que permeiam esses trabalhos e formam a base da medicina mais humana que Patch Adams divulga através de suas viagens pelo mundo. Uma delas, patrocinada pela prefeitura de Roma, teve caráter de missão humanitária. Patch Adams e um grupo de médicos e palhaços italianos foram até o Afeganistão, país envolvido em guerras e conflitos que fizeram muitas vítimas entre a população civil, especialmente entre as crianças. Cunha Jr.: Para entrevistar o médico Patch Adams, convidamos Wellington Nogueira, fundador e coordenador-geral da ONG Doutores da Alegria; Eugenio Scannavino Netto, médico fundador e coordenador-geral do projeto Saúde e Alegria, de atendimento a comunidades ribeirinhas na Amazônia – que também é um circo lá, segundo ele me falou –; Cláudia Collucci, repórter de saúde do jornal Folha de S. Paulo e mestre em história da ciência pela PUC [Pontifícia Univerdade Católica] de São Paulo; Lúcia Helena de Oliveira, diretora da revista Saúde; Ricardo Westin, repórter especializado na área de saúde do jornal O Estado de S. Paulo; Silvia Campolim, editora-chefe da revista Pesquisa Médica. Temos também a participação do cartunista Paulo Caruso, registrando em seus desenhos os momentos e os flagrantes do programa. [Programa gravado] Boa Noite, Patch Adams! Boa noite!
Patch Adams: Boa noite!Cunha Jr.: Eu queria já esclarecer de vez – depois que a gente viu esse VT explicando etc e tal que você ficou conhecido no mundo inteiro através do filme, seu trabalho… não é? O que você achou do filme? O filme foi fiel à sua história ou os roteiristas de Hollywood deram uma mexidinha, fizeram alguma coisa a mais?Patch Adams: No início, fiquei constrangido com o filme. Sou ativista político, trabalho pela paz e pela justiça. Considero fascista o meu governo. Se não mudarmos de uma sociedade que venera dinheiro e poder para uma que venere compaixão e generosidade, não haverá esperança para a sobrevivência do ser humano neste século. Precisamos deter um sistema que, pela TV, estimula a concentração do dinheiro na mão de poucos. Então… Hollywood queria vender ingressos. Duas coisas vendem ingresso: violência e humor. Desse modo, preferiram enfatizar o meu esforço em abrir o único “hospital maluco” da história. Ignoraram o fato – falo de um país que se recusa a cuidar de 50 milhões de pessoas porque são pobres – de que luto pela medicina gratuita. Se me permitem – estou aqui na berlinda – posso corrigir algumas coisas do que foi lido? Cunha Jr.: Claro! Patch Adams: Não concordo com “rir é o melhor remédio”. Eu nunca disse isso. A amizade claramente é o melhor remédio. É a coisa mais importante na vida. São nossas relações com aqueles que amamos. Infelizmente, os meios de comunicação, sendo como são, muito antes de me conhecer, imaginam que rir seja o melhor remédio. Então, quando escrevem o artigo, põem essa frase porque o fazem, na realidade, sem pensar. Também quero corrigir a idéia de que rir seja uma terapia. Também nunca penso em música como terapia, nem em arte, nem em dança. Nunca precisam da palavra “terapia”, que é pequena para ajudar. A arte não precisa de ajuda da palavra “terapia”. É a cultura humana. Não fazemos terapia de cultura. Se estamos saudáveis, fazemos cultura. Para mim, humor é contexto. No nosso hospital, exigimos que o pessoal seja alegre, gozado, carinhoso, cooperativo, criativo e atencioso. É um modo para uma comunidade humana saudável integrar-se, para não haver violência, para um cuidar do outro. Portanto, nunca penso… também nunca penso na diferença entre levar humor para uma criança moribunda e ser cordial com um homem de negócios no elevador. Para mim, são experiências iguais. O filme dá a impressão de que estou prestes a entrar no quarto de uma criança enferma e fazer palhaçada. É um filme bom e bonitinho, mas não faz o Brasil querer alimentar todos os cidadãos famintos e parar de matar o rio Amazonas. E eu quero proteger o Amazonas e acabar com a violência contra as mulheres no mundo inteiro. E o filme podia ter integrado isso tudo. Consegui ficar mais tranqüilo com o filme porque o mundo está tão faminto – até da versão condensada, mais simples de qualquer coisa ligada ao amor, porque o amor não está na TV, nem em nenhum lugar, não é ensinado nas escolas – que qualquer versão, até mesmo a versão hollywoodiana mais simples, o mundo aceita. Está faminto por si. Eu assisti. Era um filme internacional de muito sucesso. Estão famintos. Podia ter sido um filme muito mais inteligente. No mesmo ano em que Patch Adams foi lançado, Benigni lançou A vida é bela, na Itália. É uma versão bem mais inteligente, com uma mensagem parecida. Sei que isso não é exatamente o que vocês queriam, mas como estou na berlinda, esta situação permite que a conversa tome rumos que as pessoas podem não ter pensado que pudesse tomar. Antes do filme, quando tentei levar palhaços à guerra da Bósnia, a ONU [Organização das Nações Unidas] levou sete meses para me dar a permissão. Disseram: “Como pode querer levar palhaços para a guerra? Isso não é engraçado!” Depois do filme, para a guerra em Kosovo, só levou quatro dias. E por causa do filme, grupos de palhaços do mundo todo visitam hospitais. Ajudou-os muitíssimo. Pessoas de mais de três mil projetos do mundo todo disseram: “Vi o filme trinta vezes, adorei! É o meu filme favorito. Abri esta clínica, esta escola, isto…” Mecânicos escrevem para mim: “Vi o seu filme, agora faço um trabalho honesto.” E assim, agora, sinto mais respeito pelas conseqüências, não pela inteligência do filme. Sou um intelectual. Existem grandes filmes na história, este não é um deles. Este é um filme comercial de Hollywood. Quanto à veracidade do filme, na verdade, quem foi assassinado foi o meu melhor amigo. É humilhante para a família dele, mas eu o conheço. Ficaria feliz por ser interpretado por uma bela mulher [risos]. Iria convidá-la para sair [risos]. Lembra-se da cena da convenção de ginecologistas, das pernonas em cima da porta? [cena em que Adams é convocado a ajudar nos preparativos de um seminário de ginecologistas, os quais são recebidos, por obra de Adams, por uma grande armação em formato de duas pernas gigantes abertas, que convergem para a porta do auditório principal] Eu não faria aquilo, fui muito bem em anatomia feminina [risos]. O verdadeiro filme do banho de macarrão, se viram, a minha versão é muito mais engraçada e mais interessante [uma paciente terminal diz a Adams, ao ser questionada por ele, que tinha um sonho infantil de nadar em uma piscina de macarronada, desejo que é atendido por Adams]. Tudo no filme foi atenuado. Muita gente pensa, porque Hollywood é uma exageração. Na verdade, é uma atenuação. Fico muito triste porque o meu nome está em filme em que não há paz e justiça. Vocês viram, nesta entrevista, fiz com que fosse a primeira coisa sobre o que falar.
Ricardo Westin: Mr. Adams, você citou [que é] um filme de Hollywood, é um filme que não se cita a paz, a justiça, mas tem um lado positivo de ter incentivado pessoas no mundo inteiro a seguir seu exemplo, a palhaços entrarem em hospitais… Mas, no seu caso específico, esse filme ajudou a sua entidade a receber mais doações, a se construírem novos hospitais que estão sob sua responsabilidade? Patch Adams: Fiz o filme porque não consegui arrecadar dinheiro durante 28 anos para erguer o que seria o único hospital-modelo do mundo para os problemas de que ouço falar por médicos do mundo todo. Por ser um hospital tão radical, ninguém quis me ajudar. A Universal Studios prometeu erguer nosso hospital. O filme rendeu mais de quatrocentos milhões de dólares. Ninguém ligado ao filme veio me dar nem um dólar [pausa]. Ele me ajudou a ganhar mais pelas minhas apresentações. Antes do filme, eu recebia 300 mil dólares por ano. Depois do filme, um milhão de dólares por ano. Não guardo dinheiro. Escolhi não possuir nada. Dou todo o dinheiro para podermos fazer mais. Também nos permitiu começar a erguer clínicas e escolas pelo mundo e a expandir a nossa atividade, mas não nos trouxe dinheiro para erguer o nosso hospital.
Cláudia Collucci: Hoje o Brasil vive uma crise crônica na área da saúde, especialmente na região Nordeste do país, com hospitais, paralisados, pacientes morrendo sem assistência, pacientes dormindo no chão… Como trazer alegria para um cenário tão caótico como esse? Sílvia Campolim: Posso acrescentar? Eu queria saber se ele… Patch Adams: [Fazendo um som gutural semelhante à letra x] Uma pergunta por vez fica mais fácil [olhando para os entrevistadores assustado]. Mas se quiserem fazer duas… Sílvia Campolim: Eu quero só acrescentar se você tem alguma idéia para os médicos que estão lá, nessa situação, se você faria alguma coisa… O que você faria? Patch Adams: Esta é uma idéia internacional. No mundo todo, não há hospital alegre. São todos hierárquicos. Hospitais ricos não são alegres porque são comerciais. Não há tempo para gastar com pacientes. Os médicos são arrogantes, todo-poderosos e tratam todos os outros… Não todos os médicos, mas a maioria. Reclamam de tudo. Ouvi estudantes de medicina. Dei palestras em faculdades de medicina de 65 países. Recebo cartas de médicos, enfermeiros, de estudantes de medicina do mundo todo, do Brasil… Nos últimos três dias, devo ter visto mais de três mil estudantes de medicina e de enfermagem. Não precisamos falar do norte do Brasil. Aqui mesmo, nesta cidade, no mundo todo, a saúde pública não é um lar vibrante, um ambiente acolhedor para o amor das pessoas para proteger as pessoas que estão atendendo e proteger as pessoas que estão sendo atendidas. No projeto do nosso hospital, o primeiro conceito interessante é fazer um hospital fabuloso para o atendente e eliminar o esgotamento emocional e físico. Nos Estados Unidos, quando erguermos o nosso hospital, pagaremos para quem varre e para quem faz a cirurgia – que pode ganhar três milhões de dólares por ano -… os dois terão o mesmo salário, trezentos dólares por mês. Milhares de médicos e enfermeiras candidataram-se para ganhar trezentos dólares por mês, porque somos o único hospital dos Estados Unidos onde se pode trabalhar com amor. Trocariam três milhões de dólares por trezentos dólares por esse contexto. É a mesma razão pela qual tantos estudantes de medicina comparecem às minhas palestras, loucos por poder praticar medicina com amor. Amar o paciente, ser carinhoso com ele. Não quero fazer uma coisa regional. Acontece no mundo inteiro! Como trabalhamos com a medicina? Como as mães trabalham em casa. Não importa se o pai é ruim, nem se ele gasta o dinheiro em bebida ou surra a mulher. Nem se ele ignora o cuidado… A maioria das mulheres dá o sangue para deixar maravilhoso o ambiente do lar. É o que as enfermeiras fazem no hospital, procuram fazer isso no hospital. A questão não é lustrar tudo para procurar trazer alegria para o hospital. Não vamos mudar o hospital – Deus nos livre disso! Só vamos deixá-lo alegre! Lá! [entoando a nota musical em alto volume, balançando a cabeça e sorrindo] Você tem razão! No primeiro dia, como não podemos torná-lo alegre com uma varinha mágica: “Din! Tudo é perfeito, não existe violência nem injustiça no mundo. Ninguém destruindo a Amazônia”. Portanto, agora, nós podemos, todo mundo pode escolher, todos os cidadãos que estão assistindo ao programa… Deixem os hospitais para lá, todo lugar público aonde for ,desde o momento em que acorda com a família, a caminho do trabalho, no metrô, em… onde quer que esteja, você pode escolher ser um cidadão que traz alegria para a sociedade. É muito mais do que se concentrar… Muitos palhaços fazem isso. Eles têm a roupa de palhaço, na maleta. Entram no hospital, vão se trocar, vão para a ala infantil – muitas vezes nem passam para brincar com os enfermeiros – brincam com as crianças, tiram a roupa de palhaço, guardam e voltam para casa. Para mim, estão desperdiçando todos os outros momentos lindos. No ônibus, indo ao trabalho; no restaurante, onde comem… Por isso só uso roupa de palhaço, porque quando há um momento… Esta sociedade não precisa celebrar a alegria. Precisamos agarrar os ricos. Deixem para lá essa bobagem da globalização. Fazer o sistema de valor… Retomar a TV para as pessoas, para não ser mais comercial, para corporações de multinacionais. Usar a TV a fim de educar as pessoas para o amor. Por que as pessoas se interessam por essa bobagem do futebol? Antes da TV, esporte era só uma coisa que as pessoas desfrutavam. Agora, gente do esporte é gente multimilionária. As pessoas, nos Estados Unidos, pegam o único dia livre, o domingo, e em vez de brincar com os filhos, de namorar com a esposa, eles bebem cerveja com os colegas para torcer por multimilionários que jogam bola. De algum modo, isso é interessante. A TV poderia ser usada para impedir a violência contra as mulheres. Espero que veja a ligação com a sua pergunta sobre os hospitais no norte. Se não enfrentarmos o fato de que o dinheiro está sendo mal gasto em Mercedes, o dinheiro… Disseram para mim: “a Wall Street…” Hoje, vi a Wall Street de São Paulo. Igual a todas as ruas ricas de todas as cidades do mundo. Nada é brasileiro naquela rua. Aqueles arranha-céus de sempre com salas de executivos – tenho certeza -, secretárias bajuladoras. Vocês estão me entendendo, não é? Como foi isso? Como fomos enganados a acreditar que queremos um prédio enorme para morar? Um carro elegante para dirigir? Muito dinheiro no banco? Férias elegantes? E há pessoas com fome! E algumas pessoas vão à igreja: “Sim, Jesus Cristo!” [erguendo e descendo os braços em sinal de adoração]. Quanta bobagem! Estamos todos dentro de uma cesta de mentiras! Porque sabemos do que precisamos. Precisamos de comida e de amigos. Tendo isso, está tudo resolvido. Depois, você pensa: como posso ajudar a minha gente? Como posso salvar o ambiente natural mais interessante do mundo em vez de derrubá lo para plantar soja? E, claro, se temos dinheiro sobrando não compramos uma porra de relógio… [com uma expressão irônica se repreende] Xi, pega mal neste programa? Bobo! Um relógio bobo [risos]! Compramos um relógio bobo por três mil dólares e ficamos maravilhosos. Sem nem pensar, a gente nem pensa [elevando o tom da voz] em mandar qualquer coisa de que não precisamos para a nossa família, para nós, em uma linda casa humilde; para um hospital, para que ele seja um hospital maravilhoso; para termos suficientes faculdades de medicina e horários complementares de atendimento… Esse é o nosso sonho! Não uma boa carteira de ações. E a idéia de dar a atores medíocres de programas medíocres milhões de dólares, para querermos ser como eles e os nossos filhos também. E ignorar esta discussão porque, de algum modo, o “doutor da diversão” está aqui para dizer: “Vamos deixar o hospital alegre para lidar com o fato de que nos recusamos a cuidar das pessoas”.
Cunha Jr.: Nós vamos fazer agora um rápido… [sendo interrompido] Patch Adams: É melhor encerrar o programa? [Risos] Cunha Jr.: Não, não, não! Patch Adams: Está bem.
Cunha Jr.: Só um instante, um rápido intervalo. Nós voltamos num instante com o Roda Viva, que hoje tem aqui na nossa platéia a Soraya Said, coordenadora nacional de formação dos Doutores da Alegria; Gabriel de Araújo, que é estudante de medicina da Universidade Federal Fluminense; Vera Cecília Mackline, que é historiadora da medicina; e Luís Vieira Rocha, que é diretor-executivo dos Doutores da Alegria; e ainda Arlete Inácio Lopes Abreu, do Mensageiros da Alegria. A gente volta já, já!
[intervalo] Cunha Jr.: Nós já estamos de volta aqui entrevistando hoje o médico Patch Adams. Patch, eu quero colocar aqui um depoimento muito pessoal. Eu sou jornalista – as pessoas me conhecem – mas eu tenho um passado que muita gente não conhece. Eu, antes de ser jornalista, eu fui médico. Estudei medicina e fiquei muito contrariado com as coisas todas que eu vi durante o meu curso. Por exemplo, no primeiro dia de aula, antes de eu ter a aula, eu já fui abordado por um cara da indústria farmacêutica me dando amostra grátis. Antes de eu ter a primeira aula! Isso já foi uma péssima impressão. Depois, como eu queria fazer psiquiatria, eu passei uns quatro anos em hospitais psiquiátricos. E fui chamado pelo… Algumas coisas até são parecidas com as que aparecem no filme. Aquilo, por exemplo, do médico chegar perto de um paciente rodeado de estudantes, não saber nem o nome… aquilo acontece freqüentemente. De só estar… “Aqui temos um câncer de pulmão” [reproduzindo a fala de alguém mostrando um caso clínico de câncer de pulmão]. Ali é só visto o câncer de pulmão ou o problema do fígado. Isso é muito normal. Agora, o que aconteceu comigo, que fez me contrariar muito e até sair fora da medicina e optar pelo jornalismo, onde eu fui mais feliz, foi um episódio dentro do hospital psiquiátrico onde um paciente tinha um dom muito grande para artes plásticas. Eu achei muito lindo o trabalho dele e, inocentemente – ingenuamente, talvez – eu disse assim: “Eu acho muito lindo. Gostaria de ter. Você vende para mim?” E ele disse: “Vendo”. E vendeu. Fui chamado imediatamente pelo diretor do hospital dizendo que eu estava interferindo no tratamento, que eu estava… [close em Adams, apontando o dedo para Cunha Jr., em sinal de repreensão, de forma irônica] – exatamente! – essa relação minha com ele não poderia ser tão direta, que interferiria na terapia. Eu gostaria então que você falasse sobre isso e se isso mudou, pelo seu conhecimento nas escolas de medicina, se esse academicismo mudou e se não seria por aí que as mudanças deveriam começar a ocorrer.
Patch Adams: De todos os países, de todas as faculdades de medicina é do que você está falando. O que não entendo, com você e o resto do mundo é… Thomas Jefferson [(1743-1826), presidente dos Estados Unidos de 1801 a 1809, grande revolucionário e intelectual que, no final do século XVIII, embaixador na França, participou da Revolução Francesa, tendo sido inspirado por ideais iluministas a tornar os Estados Unidos um país independente], em 26 [1826], escreveu na Declaração de Independência… “quando, no curso dos acontecimento, torna-se necessário, levantar-se contra a tirania”. Então, quando você vê uma coisa errada com o seu casamento, consigo mesmo, no seu trabalho, na sua escola… o que é que foi perdido que nunca foi ensinado na nossa humanidade? O que você faz é o seu projeto. Tem razão. Tudo o que diz… Eu odiei o primeiro dia. Mas entrei na faculdade de medicina para fazer revolução. Eu sabia que nunca agiria como eles. Um exemplo: quando vi médicos grosseiros em visitas… faziam círculos com pacientes e a maioria deles, a maioria dos professores na faculdade procurava menosprezar os alunos, diminuí-los, para se sentirem importantes. Humilhavam os alunos em público, na frente de todo mundo. Todos deviam ficar exclamando: “Ai meu Deus, ai meu Deus, ai meu Deus!” [encolhendo os ombros e olhado para cima, tremendo, em sinal de medo e desespero]. Eu dizia: “Que bela grosseria, doutor! Conseguiu acabar mesmo com esse aluno! Quero ser grande e forte como o senhor quando eu crescer” [risos]. O que nos faz calar? Você vê o chefe dar um beliscão na secretária e disfarça. Você morre naquela hora. No instante em que cala por medo de perder o cargo, você morre. Uma parte de você, uma parte de ser humano morre. Como os hospitais do norte. O que é? O que nos faz pensar… Jornalismo é ótimo porque não existe jornalismo! Não nos Estados Unidos. São todos marionetes da riqueza. Antes o jornalismo existia. Cinco empresas detêm 70% dos meios de comunicação do mundo. São máquinas de propaganda, não existe jornalismo ali. Acha que alguém deixaria Patch Adams dizer na TV dos Estados Unidos que Bush é nazista? Nunca! O filme Patch Adams, com Robin Williams… “O riso é o melhor remédio. Compre Coca-Cola!”.
[...]: Patch…Patch Adams: Deixe-me concluir esta pergunta. Não entendo porque, quando você vê uma coisa errada: a violência aqui, nas suas cidades; mulher mal tratada; homem bêbado que surra a mulher; criança na rua vendendo droga, cheirando cola ou seja o que for que faz; gente dando tiro em criança na rua, por prazer, que acontece aqui no Brasil… Então, o que é? Qual é o truque? Essa é a pergunta que você deve fazer a si mesmo? O status quo interessa a quem? Quem se beneficia? Um jornalista pode descobrir. Eu sei quem se beneficia com tudo isso. São bons negócios. Como é possível políticos servindo às grandes empresas que em um hospital ninguém se rebele contra essa desumanidade? Está em todo lugar, todo país. Quase todos os hospitais em todos os países. É assim. É o nosso rabo entre as pernas? O que… Realmente me sinto, como cidadão dos Estados Unidos, que menos de 10% da nossa população pensa. Nunca pensa. Nunca! Trezentos e sessenta e cinco dias por ano, acho que 90% da população dos Estados Unidos nunca faz o que se chama de “pensar”. Em inglês, é preciso dizer “pensamento crítico”, porque nos distanciamos tanto do pensar que precisamos dar-lhe o apoio do pensamento crítico [risos]. Quando o pensamento não é crítico? Isso foi bem descrito pelo escritor tcheco Capek ou por Kafka. É o que temos: robôs a serviço da saúde. Estou aqui para incentivar as pessoas a ser a revolução na vida. Uma revolução é ser cordial. Uma subseção a ser cordial é ser cordial com uma criança enferma hospitalizada. Existem dez milhões de subseções a ser cordial. Wellington Nogueira: Patch, eu, trabalhando no hospital, não sei mais onde começa e onde termina o hospital, porque eu vejo doenças sendo cultivadas numa série de relações com a vida. E eu acredito que um movimento como o que você inspira, deflagra, é extremamente importante para tirar as pessoas da anestesia. Qual é o futuro disso? Como que se pode tornar isso mais forte para que se possa conseguir promover grandes mudanças que são tão necessárias? Patch Adams: Dê me um canal de TV! [Risos] Dê me um canal de TV não comercial com satélite de alcance global…
Sílvia Campolim: Alguma vez você tentou… Patch Adams: .Posso responder essa pergunta? Sílvia Campolim: Sure [claro]! Patch Adams: Posso estar no caos [olhando ao redor com os braços abertos], mas sou um pensador [fecha os braços e aponta para uma única e estreita direção]. Gosto de pensar que ele goste de eu responder a pergunta.Silvia Campolim: Eu queria saber se alguma vez… Patch Adams: Eu não estou ouvindo [mexendo em seu fone de ouvido]
Silvia Campolim: É [respondendo um comentário de alguém ao seu lado]… Patch Adams: Você perguntou o que eu faria [referindo-se à Nogueira]. Um, eu não deixaria que este programa falasse de tolices. Quero que o programa tenha um significado para a causa. Você entende, não é [close em Nogueira, balançando a cabeça em sinal afirmativo]? Então, aqui, nesta visita ao Brasil, vou fazer duas apresentações. Uma é a oficina chamada “Qual é a sua estratégia de amor?” Por quê? Porque quase ninguém no mundo tem uma estratégia de amor. Como sei disso? Entrevistei muitos milhares de pessoas. Desafiei o mundo a me trazer alguém e nunca trouxeram. Entrevistas com pacientes de quatro horas. O amor é o mais importante na vida. Por quarenta anos. E faço também com quem senta ao meu lado no avião. Eu pergunto: “Qual é a sua estratégia de amor?” A maioria dos homens diz: “O que você quer dizer?” Ninguém estava pronto para, com ponderação, falar sobre a própria estratégia de amor. É unânime em toda platéia. Ontem, 1.300 pessoas… “O que é mais importante do que o amor?” Ninguém levanta a mão. Mas se eu der um papel e disser: “Quinhentas palavras sobre a estratégia para o mais importante da vida”, ninguém tem! Para a coisa mais importante da vida não temos um plano bem pensado como temos para o futebol. Futebol é mais importante do que amar. Não é ensinado nas escolas. Tento fazer matemática simples, cinco horas por semana da escola elementar até a média. Amor cinco horas por semana da escola elementar até a média. Aí, o homem poderá ser gentil com a mulher. E a mulher não será uma bunda. Talvez, certo? Se você viesse para a oficina, fizemos muitas coisas radicais [dando ironia ao tom da voz]! Exercícios como fazer par com um desconhecido. Decidir quem vai primeiro. Se for você, pegar a cabeça do desconhecido nas mãos, olhar nos olhos e repetir, e repetir, e repetir, exercitando a sua sinceridade: “Eu te amo. Eu te amo”. E só se ouve a risada nervosa do público. Estão com um desconhecido, olhando nos olhos, dizendo uma frase simples: eu te amo. É como podemos nos sentir pela humanidade. Não sentimos, mas poderíamos. Também vim dar uma palestra: “Humor e saúde”. Logo vi que a maioria do público era de estudantes da área de saúde, famintos por terem algo incisivo. Então eu falei: “Não vamos dar a palestra. Vamos passar duas horas de perguntas e respostas”. Estavam entusiasmados! Tudo o que podíamos falar sobre sistemas de saúde, os sonhos dos estudantes, o que está faltando, foi discutido e foi ótimo. Também faço uma oficina: “Levando uma vida de alegria”. Do que se trata? Trata-se de viver com alegria. E como é fácil. Uma pessoa pode resolver hoje e nunca mais ter um dia ruim. Temos feito viagens com palhaços para áreas de guerra, campos de refugiados, após o tsunami e todas essas situações. Meu filho mais velho é cineasta e levou equipes de filmagem em 14 viagens. A idéia era fazer dez filmes de uma hora para ensinar o amor por todos. Cansei de não ter nada na TV sobre amar todas as pessoas. Por que não há um só presidente que diga: “Temos de amar todo mundo!”? Vamos decretar o dia em que tudo o que fazemos… nem interagimos com as pessoas sem abraçar primeiro. Nos restaurantes, na rua… Leva uma hora para andar uma quadra, abraçando todo mundo. Imagine como será a vida, após uns cinco anos? Se eu tivesse um canal de TV, 24 horas no ar poderia haver algo constante, maravilhoso e não essa coisa tediosa e idiota! E a cada cinco, três minutos, um intervalo comercial para outra porcaria. Precisamos ter iniciativa. Algo simples seria entregar todos os cargos de poder às mulheres. Deixar tudo sob a responsabilidade das mulheres. Nos dois mil orfanatos onde estive, não havia sequer um homem trabalhando. Campos de refugiados por todo lado, quem trabalha? As mulheres. Os homens estão tomando chá. Eles são bons? É difícil saber. As mulheres trabalham. Elas procuram fazer o que pedimos. Ser gentil em casa, não importa o quão ruins as coisas estejam. Ser gentis na estrada, se forem refugiadas, não importa o quão ruim as coisas estejam. São estupradas pelos homens, que lhes roubam os filhos para transformá-los em soldados-crianças. E ainda assim elas procuram fazer o melhor que podem. Então, por que vim fazer este programa? Por que estou aqui? Por que gasto o meu tempo com a TV? Recusei os grandes programas de TV brasileiros. Não me importa aparecer na TV. Quero que, quem ouvir, ouça coisas que nunca ouviu na TV vindo de alguém que talvez respeite. Por isso vim para este programa. Porque o único momento na TV de que gostei, em 25 anos de TV, foi de um canal chileno chamado “A celebração da inteligência”. Foi o único programa de TV inteligente. Depois do filme, fui para um programa de TV… sabe?: “Bom-Dia, América!” [deixando o tronco ereto, como a reproduzir ironicamente a postura de um apresentador sério de televisão]. Lixo! A minha cueca é mais limpa [risos].
Patch Adams: No programa, devíamos fazer entrevistas. Parece que estamos entrevistando. Não estamos entrevistando, ele está lendo um monitor! [risos] No intervalo comercial, falei: “Maldição, olhe para mim!” [gritando, risos]. Desculpe! Wellington Nogueira: E o palhaço dessa história? Patch Adams: Quero ser justo. Devemos passar para outro? Defendo sempre a justiça. Cunha Jr.: Quem quer… o Eugênio não fez pergunta ainda. Por favor, Eugênio. Eugênio Scannavino Netto: Bom, eu tinha várias perguntas, já respondeu bastante [risos], mas… Estou impressionado, porque eu esperava ver um médico palhaço – eu já fui médico palhaço na Amazônia e sou um médico palhaço – e ver uma pessoa cheia de conteúdo, cheia de idéia, que tem uma visão muito maior de transformação do mundo, a qual eu compartilho também… E sei que isso também traz angústia, não é? Porque a gente tem que ser o palhaço, levar a alegria, mas no final a gente está mexendo com o sistema todo de doença. Eu acho que a gente não tem um sistema de saúde nem no Brasil nem no mundo. Nós temos um sistema de doenças que é focado no hospital, na doença, no paciente. Em tratar e dar remédio. Além disso, as relações dentro do hospital também são doentias: um briga com o outro, todo mundo briga com todo mundo e o paciente briga também, enfim. Eu acho que a gente tinha que construir um sistema de saúde que é o que você fala bastante, não é? O que você falou agora são transformações, são intervenções muito fulgazes. São coisas de você trazer alegria. Como fazer um sistema de saúde, como transformar nossa sociedade numa sociedade saudável no conceito maior da palavra? Mais ou menos isso. Patch Adams: Claro! Que eu sabia, nenhuma faculdade de medicina ensina bem-estar. Nos meus quatro anos de estudo, nunca se mencionou “saúde” [risos]. É a ausência de enfermidade! Que mentalidade é essa? “Outro dia sem câncer!” É a visão da saúde. Nunca se fala em exercícios nem em dieta e nem se fala em sentimento, amor. Na verdade, falou-se em não falar sobre o amor. O que você disse, que o seu médico falou [apontando para Cunha Jr.]: “Nunca converse com o seu paciente psiquiátrico!”. Talvez tenha lido R.D. Laing. Teve a mesma crise. “Boing!” [batendo com a mão fechada sobre a testa, risos]. Está na autobiografia da juventude dele. Conhece R.D. Laing [close em Cunha Jr., balançando a cabeça em sinal afirmativo]? Bem… Onde aprendemos as coisas? Nas escolas. Ensinam cuidados com a saúde da pré-escola até a média do mesmo modo que ensinamos ciências, história, línguas. É um modo de ser. Você dá um canal de TV, 24 horas no ar sem comerciais com os cuidados com a saúde entremeados ali. Não dizendo: “Você precisa ficar bem!”. Mas com sedução: “Eu quero! Quero saúde!”. E se, na faculdade de medicina, ao menos durante uma aula por dia alguém faz uma massagem em você. Alguém faz massagem em você. Você nem imaginaria examinar um paciente sem antes fazer massagem nos pés dele. Só isso. A questão é que existem milhões de gestos. E se, para poder entrar numa ala de um hospital… se você não pudesse entrar a não ser cantando? Você teria de estar cantando para entrar: “Zip-a-dee-doo-dah, zip-a-dee-ay, que dia maravilhoso!” [cantando um trecho da premiada canção "Zip-a-dee-doo-dah", do clássico "A canção do sul - Song of the south",título original - da Walt Disney, lançado em 1946, polêmico por ter sido o primeiro longa-metragem da produtora norte-americana a misturar atores reais com animação e por ter sido acusado de transmitir um esteriótipo racista. A música tema ganhou o Oscar de Melhor Canção Original em 1947 e virou um símbolo, utilizada em outras diversas animações da produtora e regravada por grandes nomes da música norte-americana]. Imagine se os hospitais tivessem na parede uma fotografia grande do médico escolhido como o pior da semana? Ninguém ia querer ser escolhido. Começariam, pensem… Imaginem quantas sugestões posso inventar em um dia. Todos podemos trabalhar para isso e quantas sugestões haveria em uma semana? O que decidirmos, há dez mil coisas. Para o patrocínio, precisamos agarrar os ricos! As empresas são besteiras! Porque todas as mensagens disponíveis para as crianças, na TV… dizem: “você quer dinheiro e poder.” É a primeira mensagem e todas as crianças do mundo recebem. Se forem pobres, roubam, vendem o corpo ou vendem os filhos. Se forem ricas, ficam mais ricas. As três pessoas mais ricas têm tanto dinheiro quanto as 48 nações mais pobres. A TV ensina que essas pessoas devem ser admiradas: Paris Hilton, Donald Trump… Devem conhecer esses nomes. Não são interessantes nem para o vizinho deles e alguém no Brasil. Você conhece esses nomes? Lixo! Paris Hilton tem 800 milhões de dólares e tem um livro que faz: “Olhe para mim. Olhe para mim” [colocando a mão na testa]. Não quero nada de ruim para Paris Hilton, mas se você tem dinheiro e não ajuda, você é um nada! Sinto muito. Vocês são parte do problema e, neste século, estaremos extintos, o que será bom para todos os outros animais e plantas. E não falamos sobre isso. Por isso, hoje, não me calo. Imaginem os programas de saúde. Imaginem o que podia ser feito! Por exemplo, ninguém assiste TV. Nunca. Todo o tempo será dedicado ao bem-estar. O cidadão médio dos Estados Unidos assiste de cinco a sete horas! Um programa de saúde diário com sete horas. É muito cuidado com a saúde. Cunha Jr.: Nós vamos fazer mais um intervalo. Pode ser? Mais um intervalo. Patch Adams: A paradinha… Para as pessoas poderem ir ao banheiro? [Risos]
Cunha Jr.: Yeah! Você quer ir? Patch Adams: Estou indo aqui mesmo. Esta mulher tinha uma pergunta. Certo?Cunha Jr.: No próximo bloco ela vai fazer a pergunta. E a Lúcia também. Patch Adams: Lúcia! Santa Lúcia! [começa a cantar a música de Santa Lúcia] Todo mundo! Todo mundo! Lá, lá, lá…. [levanta-se da cadeira e passa a imitar um maestro regendo os entrevistadores e convidados do programa, que cantarolam a música com o entrevistado. Aplausos]. Muito bom! [sentando-se novamente] Cunha Jr.: No próximo bloco então, a Lúcia e a Silvia vão poder fazer as suas perguntas. Outras pessoas também. Nós já voltamos em seguida. Na nossa platéia aqui nós temos o Igor Leonardo Padovesi – está certo? – Motta, estudante de medicina da USP… [sendo interrompido] Patch Adams: Igor? Cunha Jr.: Organizador do evento Patch Adams no Brasil… Exatamente! Luciana Bernardo, que é presidente da Associação Viva e Deixe Viver; Daniel da Motta Girardi, que é estudante de medicina da USP; Márcia Girardi, que é estudante de medicina da USP também; e José Antônio Mancuso Filho, que é estudante de medicina também da USP. Vamos a um rápido intervalo a gente já volta! [intervalo] Cunha Jr.: Bom, Roda Viva está de volta com a entrevista nesta noite com o médico americano Patch Adams. Nós temos aqui hoje participando o Wellington Nogueira, que é fundador e coordenador-geral da ONG Doutores da Alegria; o Eugênio Scannavino Netto, que é médico, fundador do projeto Saúde Alegria que atende comunidades ribeirinhas na Amazônia; a Cláudia Colluci, que é repórter de saúde do jornal Folha de S. Paulo; a Lúcia Helena de Oliveira, diretora da revista Saúde; o Ricardo Westin, que é repórter da área de saúde do jornal do O Estado de S. Paulo; e a Silvia Campolim, que é editora-chefe da revista Pesquisa Médica. Bom, rapidamente você disse para mim que não apresentasse você como médico americano porque você sentia envergonhado? Por ser apresentado como americano? Patch Adams: Tenho vergonha de ser americano. Somos o país terrorista. Todos sabemos que não existem mais países. É a globalização. Não existem países. É uma ilusão. As transnacionais são as donas do mundo. O século XX foi o último com países. Não significa nada. Vindo para cá, o que vi de Brasil? Então… vocês estão destruindo o que é Brasil, a Amazônia. Nunca tive nacionalismo. O nacionalismo é um problema. Historicamente, sempre foi um problema. É uma definição absurda, arbitrária de que existe algum tipo de fronteira na terra. A população indígena dos Estados Unidos achou incrível alguém poder pensar que possuía a terra. Tenho vergonha sim. O mundo todo teme o meu país. E as pessoas estão bravas com ele. Não sou esse tipo de gente. Quero condenar o meu país à prisão perpétua por assassinato em massa. Lúcia Helena de Oliveira: Bom, doutor Patch Adams, pelo que eu conheço do seu trabalho o senhor sempre se preocupou em focar a pessoa mais do que a doença. E me corrija se eu estiver errada a qualidade de vida mais do que a própria cura. Eu queria falar um pouco sobre essa questão de cura e qualidade de vida. Eu tenho a impressão que a medicina de hoje e a própria, o próprio mercado, a indústria farmacêutica perseguem muito a cura sem se importar com esse caminho até a cura como um efeito colateral que pode acontecer ou não, do que a qualidade de vida. Por outro lado, talvez o senhor fique bravo comigo, a gente tem aí as pessoas, especialmente num país como o Brasil, que muitas vezes não têm acesso à cultura nem… medicina então nem se fala, preocupadas com uma solução mágica para a cura. Quer dizer, hoje em dia está muito em voga, no mundo inteiro, a idéia do pensamento positivo. A força do pensamento. Quer dizer, eu queria saber um pouco do senhor sobre essa questão da qualidade da vida de um lado, estou sendo malandra, estou aproveitando para fazer duas perguntas. E sobre a questão do pensamento positivo tão em voga. O que o senhor acha dessa idéia que pulula por aí de que fazendo “Ohmmmmm” e pensando e vibrando você vai ficar bem, você vai ficar saudável? Patch Adams: Considerando tudo o que disse… Primeiro, fez perguntas sobre cura. No fim, não fez perguntas sobre cura. Perguntou sobre pensamento positivo e qualidade de vida. Não sei se quer que eu fale sobre o que penso da cura.
Lúcia Helena de Oliveira: O senhor podia explicar… Patch Adams: A cada ano que passa, fico mais humilde quanto ao conceito da cura. É arrogância e é um perigo entrar na medicina ou em qualquer arte de cura pensando no restabelecimento. Aprenderá humildade na primeira semana. O seu trabalho não é curar, é cuidar. Você sempre pode cuidar. Totalmente. Todo dia, o dia todo. Sempre pode cuidar. Nunca, jamais, antes do tratamento pode garantir cura. Jamais. Jamais. Nunca. Não importa a prática com essa doença, nunca poderá saber, antes de um tratamento… a conseqüência exata desse tratamento. Falou algo de que discordo: a indústria farmacêutica preocupa se com a cura. Ela nunca se preocupa com a cura. Só se preocupa com o lucro. Tem a mais alta margem de lucro do que qualquer outra no mundo. Vende substâncias sabendo, por pesquisa, que não ajudam. Mas falsifica a pesquisa. Assim, pílulas, pílulas perigosas serão dadas. Creio que todo remédio psiquiátrico seja imperícia. Anti depressivos, ansiolíticos. Sabe que, em toda a psiquiatria, não existe um livro de psiquiatria onde haja uma declaração sobre saúde mental. Nem existe um enfoque para a saúde mental. Em nenhum programa psiquiátrico do mundo, de quatro anos de duração, se deu uma palestra sobre saúde mental. Não há idéia de que a saúde mental seja algo do que você falou, qualidade de vida e pensamento positivo. Lembram se do que falei sobre pensamento crítico? Talvez eu possa dizer o mesmo sobre pensamento positivo. Para mim, pensar é sempre positivo. Não pensar é negativo. Então, se você estiver pensando, está tudo o que entra, tudo de que você se lembra, na sua experiência de vida, tudo trabalha junto. Pensar é um vulcão maravilhoso, e uma onda do oceano, e pássaros voando. Tudo está acontecendo ali, com tudo o que leu, todas as idéias que acalentou. A idéia do valor da vida humana, a importância do amor, dos amigos, todas as belezas, toda a arte e todos os momentos importantes da sua vida. Isso é pensar. Como é absurdo pensar que isso não seja ouro o tempo todo. A discussão que tivemos, que está gravado sobre procurar fazer perguntas e respostas mais objetivas. Nem consigo imaginar o que me foi perguntado para controlar o que falei. Estou pensando na sua pergunta. Estou pensando em tudo que sei. Tentando me sair com a melhor resposta possível para o que me falou. Não estou tentando fazer um bom programa de TV. Não estou tentando dar uma respostinha curta para que se possa cortar para o intervalo comercial. Estou imaginando que você queira uma resposta. São perguntas importantes. A do pensamento positivo. A maioria das pessoas nem pensa. Acreditam que pensamento positivo pressuponha pensamento negativo. É não pensando que vai concluir que não é uma boa pessoa. Isso nunca é um bom pensamento. É não pensar. É acreditando na imagem de que, se não for bonita, você não é bonita e está pensando o que você chama de pensar, mas não é pensar. É propaganda. Pensar é ouvir que a imagem de beleza é ter 20 anos, com formas específicas – busto e tudo aquilo – e que isso é bonito. E pensar diz: “Isso não é bonito”. A minha mãe dizia: “Bonito é o que faz bonito”. Se isso é beleza, se você for gentil, isso é beleza. Se pensa que beleza é ter 20 anos com formas específicas, então, a empresa farmacêutica e a empresa de cosméticos vão ganhar milhões de bilhões de dólares com o seu não pensar no que a beleza é. Então, ninguém na minha idade é bonito. Temos rugas, sei lá. Injeções de botox… Na verdade, não chegamos à qualidade de vida, não é? A TV define a qualidade de vida para as pessoas. Na verdade, não planejam. Era sobre isso a pergunta de Eugênio, cuidado com a saúde. Cuidados com a saúde. Se qualidade de vida fosse importante, não haveria fome. Todos trabalhariam até ter comida. Ninguém pararia. O que acontece quando tem convidados e serve o jantar? Come antes de ver que todos tenham comida? Nunca! Homem come. Mas você não, certo? Nunca. Grande refeição familiar, muita gente para o jantar, você é a última a comer. Por que isso não é uma verdade para o Brasil? Ninguém come até todos terem comida. Isso é qualidade de vida. Nem recebemos educação. A maioria dos homens nem pensa. Vai jantar, vai direto ao prato. Não esperam: “Quero ver todos servidos antes de me servir”. Cláudia Collucci: Quando Patch diz, a respeito à indústria farmacêutica, eu só gostaria de perguntar o seguinte: o assédio da indústria farmacêutica já começa nos bancos de faculdade como o Cunha bem mencionou. Até que ponto isso atrapalha a relação médico/paciente? Patch Adams: Então… É um bom negócio. As companhias farmacêuticas são as empresas mais nojentas, fétidas e horrendas do planeta. Estão comprando a Amazônia. Sabem disso? As transnacionais estão comprando a Amazônia. E todos estão de acordo, pois a pesquisa sai do dinheiro da companhia farmacêutica. E médico gosta de pesquisa. Ouvi estudantes de medicina aqui falarem sempre que os professores pareciam mais interessados em pesquisa do que em assistência médica. Contaminou tudo. E se o capitalismo não fosse a pior coisa do mundo? A pior coisa na história: capitalismo. Vai extinguir a nossa raça, não há dúvidas. Outro modo… Dizem nos Estados Unidos: “Temos os remédios.” Certo, mas por que escolhemos receber de gente mentirosa preocupada com os lucros, horrorosa e indecente? Nos Estados Unidos, poderíamos abrir dez centros… dinheiro dos contribuintes. Dez centros, com os maiores cérebros em bioquímica, fisiologia, botânica, cujo trabalho é fazer ótimos remédios para as pessoas pelo custo mais baixo possível, sem lucro. Os remédios não custariam nada. Nunca nos dariam remédios enganosos. Mas ninguém pensa nisso. Por causa do capitalismo deixamos que eles façam o que quiserem conosco. Odeio o capitalismo. É a pior coisa que existe.
Cunha Jr.: Nós vamos fazer, então, um rápido intervalo. Aqui na nossa platéia, acompanhando, a gente tem o Valdir Cimino, diretor-fundador da Associação Viva e Deixe Viver; Fernando Pereira Bruno, que é estudante de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro e organizador do evento Patch Adams no Brasil; Vivian Costa Manso… [sendo interrompido] Patch Adams: Bravo, bravo! Cunha Jr.: … que é psicóloga e musicista; o Marcos Martins, que é economista; e Thaiane Silvério Batista Rosa, coordenadora do projeto Amigos do Sorriso, Alegria da Família e estudante de medicina da Universidade de Marília. A gente volta já, já![intervalo] Cunha Jr.: Estamos de volta com o Roda Viva, hoje entrevistando o médico Patch Adams. Silvia, sua pergunta por favor. Silvia Campolim: Doutor Patch, minha questão diz respeito ao seguinte: o Brasil tem homens públicos de grande valor dedicados ao sistema de saúde, apesar de todos os problemas do sistema de saúde, filas nos hospitais, demora para… para acontecerem os exames, o atendimento precário. A gente tem belas histórias de homens públicos que fizeram ou tentaram fazer coisas interessantes aqui. E, graças a eles, a gente tem coisas interessantes também, resultados bons. Transplantes acontecendo. O sistema público dá conta de coisas muito importantes, não é? Na área de saúde. Então, a minha questão é, ao mesmo tempo, o senhor diz que o filme a respeito da sua vida não retrata exatamente qual foi a sua trajetória, estereotipa essa coisa do humor e tal. E o senhor, a bem da verdade é um “outsider”. Qual foi a história dessa opção por ser um “outsider” e não um homem que, um profissional que se, que considerasse o serviço público? Ou mesmo uma carreira política que pudesse mudar as coisas mediante às leis? Eu queria saber um pouco dessa história sua. Patch Adams: Primeiro, posso fazer uma recomendação? Nos últimos quatro dias, devo ter passado mais tempo com os estudantes de medicina brasileiros do que muita gente. Se eu tivesse a capacidade de montar um hospital de última geração, 70% dos estudantes de medicina teria entrado. Eles se formariam e iriam para esse hospital atender o povo. Se visse como estão sedentos… Sei que os estudantes de medicina foram às palestras. A palestra foi organizada por estudantes de medicina. Abriram mão de quatro meses de vida. Ficaram atrasados nos estudos. É perigoso o que estão fazendo. Quiseram trazer essa mensagem para os estudantes de medicina porque ela afetou a vida deles. Eu lhe asseguro, se tivéssemos um lugar, eles teriam ido. Se eu… Se cada pessoa que veio para a palestra… fácil, alguns milhares de estudantes de medicina. Se tivessem aonde ir, lugares lindos onde praticar a medicina, eles iriam. Estava ali esperando, loucos por isso. Quando se formarem, não existirá. E não há muita gente como eu. Podem decidir a pôr política na medicina. Estou no 37º ano do projeto do hospital. Achei que levaria quatro anos para erguer. Eu tinha certeza, porque estava determinado, o país precisava, era uma ótima idéia, ninguém mais fazia isso. Eu tinha certeza de que conseguiria patrocínio. Estou no 37º ano e não comecei a construir o prédio. Todo dia, o meu entusiasmo aumenta. Nunca me sinto desencorajado nem sinto que foi duro. Difícil, porque sei que é o certo a fazer. Sei que os estudantes daqui querem que eu construa. Igor, como estudante de medicina, foi para a nossa casa, em West Virgínia. Pagou a passagem, passou um tempo lá. Porque estão loucos por um lugar assim para praticar a medicina. Trabalhariam por muito menos dinheiro. Deixem eu erguer o hospital aqui, vão querer pouco para trabalhar. Ninguém ergueria hospitais com rapidez tal, de não acharmos médicos e enfermeiros para trabalhar neles, se puderem realizar o sonho. Perguntou o que eu fiz. Por que escolhi a rota política da medicina. Porque eu penso. Porque o meu pai morreu na guerra, quando eu tinha 16 anos. Tive de pensar na guerra, não como uma coisa abstrata que se vê em um filme de guerra, mas porque perdi o meu pai na guerra. Então, voltamos para os Estados Unidos, onde eu não havia morado, para o sul, em 1961. Os negros não tinham o direito de usar o banheiro de um branco! Na terra do homem livre! Democracia! Estátua da Liberdade! Bobagem! Os negros, 20% da população, não podiam comer em restaurante, nem ir para hotel de branco. Não podiam se sentar na frente do ônibus público. Eram cidadãos. Isso doeu mais do que a morte do meu pai na guerra. Primeiro, eu quis morrer. Se viram o filme Patch Adams, é verdade. Fui três vezes para um sanatório, em um ano, com 18 anos. Mesmo sendo um garoto feliz, eu não queria viver em um mundo de violência e injustiça. Parecia que as pessoas não se importavam. Eu não conseguia acreditar que alguém pudesse viver em um país da chamada democracia livre e não permitir aos negros serem gente. Eu estava horrorizado. Racistas, é claro que existem. Talvez existam para sempre. Como aqueles que se dizem não racistas deixam isso acontecer? Eu não conseguia acreditar. Fiquei desiludido. Tentei suicídio, eu não queria viver. Então, pensei… Sabem, “pensar”. É sempre o pensar. Tudo o que fizer de bom para a vida é pensar. Pensei, você não vai se suicidar, vai fazer revolução. A minha biblioteca tem 18 mil livros. Eu soube. Tenho uma biblioteca enorme. Fui estudar a história das revoluções. Estudei gente que faz projetos e vi que são só pessoas. Ninguém era especial. Gandhi! Era só um homem! Era advogado na África do Sul, as coisas não iam bem, a justiça não funcionava direito e ele foi trabalhar pela justiça, por uma lei diferente. Então vi que a minha meta era trabalhar pela paz, pela justiça e pelo atendimento médico. A força veio porque tive uma grande mãe. Só procuro ser como a minha mãe. A minha mãe só amou. Nunca a vi fazendo uma maldade, algo errado, uma crítica. Só a vi dando amor para mim. Para o meu irmão. O meu irmão, o outro filho dela, é meu assistente. Ele tem 63 anos, eu tenho 62. Estamos loucos para ir a outro campo de refugiados. A nossa mãe nos fez homens que querem tirar férias em campo de refugiados. O pensar e a percepção de que eu vivia em um mundo sob o capitalismo e sob o regime do amor pelo poder, em um mundo que ama o dinheiro e tudo que uma grande biblioteca possa lhe dizer – seja a biblioteca de livros sobre política, economia, sociologia ou ambiente, ou política ou medicina – livros. Literatura. A maior parte da minha biblioteca é poesia, teatro e ficção. Tenho 38 livros de Neruda. Do que ele fala? Do que… Paulo Freire… Do que ele fala? E Augusto Boal? Do que ele fala? Li pelo que escreviam. Simplesmente, e faz sentido. Se me preocupo com uma criança com câncer… por que não me preocupo com a poluição? Hoje, em cada sete mulheres, uma tem câncer de mama. Quando nos preocuparemos com a indústria dos organoclorados? A indústria dos organoclorados gasta 160 milhões de dólares por ano para não sabermos nada da indústria dos organoclorados. A maioria das pessoas aqui desconhece a indústria dos organoclorados. Assim não acho que se deva ir para longe da medicina. Olho o câncer… Sim, quero ajudar o câncer, mas quero saber por que o câncer! Por quê? Por que a pessoa tem câncer? Eu me interesso. A taxa mundial de suicídios, especialmente entre os ricos, está subindo assim. Sim, é bom parar com suicídio, mas por quê? Nos países mais ricos do mundo, a taxa de suicídio é mais alta. Penso que um médico pergunta o porquê. Depois, dizem: “Qual é o plano para a solução?” Parte do plano para solucionar… Por que este médico largou a medicina? Porque era um nojo! É mais doloroso para uma alma trabalhar com jornalismo. Até o jornalismo é um nojo! Não é tão nojento quanto ser médico e trabalhar em algo insalubre. Mas precisamos planejar. Um dos trabalhos de um médico é definir o que é saudável.
Ricardo Westin: Uma pergunta mais sobre o seu trabalho do dia-a-dia. Imagina se, pela forma que o senhor se veste, com gravata colorida, meia cada uma de uma cor, uma calça vermelha, o brinco em forma de garfo, cabelo de duas cores. Isso para esse trabalho de alegria com pacientes de seis anos, imagino que funciona muito bem. E como é que o senhor lida com pacientes de 60 anos? Como é que eles reagem? Que a aparência na nossa sociedade influencia. Patch Adams: Vamos voltar a outras perguntas como “o que se pode fazer?” O que pode fazer uma pessoa que quer paz na Terra? O que pode fazer uma pessoa que não quer violência? Procurando uma imagem, experimentei cinqüenta brincos. Uso dois: o maxilar de um gambá e o garfo. Sou cientista, provei os outros. Não funcionam. Procuro uma imagem, para quando entrar no elevador, ou sentar do lado de alguém, no avião, onde quer que eu esteja, ninguém possa resistir a começar a conversar. Se eu começar a conversa, podem se sentir ameaçados, sou um homem grande e esquisito Mas com esta imagem, 99% das pessoas vão fazer um comentário, que pergunta, “por que você se veste assim?” Aí, o que eu vou poder dizer? Posso dizer qualquer das coisas que falei aqui. Eles perguntaram, só estou respondendo. Digamos, quero acabar com a violência pública. Não sei se viram Tiros em Columbine, de Michael Moore. A violência está em todo lugar dos Estados Unidos, nos mercados. No Brasil, isso não deve acontecer. Adultos surram crianças, homens são malvados com mulheres. Há um comportamento de maldade pública. Você pensa: “O que posso fazer? Cadê o Super Homem?” Eu não sou… o Super Homem estilo antigo. Arranco a roupa, vou até eles, entro ali e digo: “Se bater na criança de novo, bato em você, pessoa malvada!” Isso não ajuda a pessoa. Posso me levantar para mostrar uma coisa? [levantando-se da cadeira] Diga que sim! Digamos que viro a esquina do mercado. Vejo uma mãe e o filho. A mãe tem pressa, tudo é estressante. A criança brinca com as caixas, as caixas caem. “Maldição!” Normal nos Estados Unidos, certo? A maioria das pessoas – estudei mercados – entra no corredor, vê aquilo, vai para outro corredor. Não quer se meter. Sente-se incapaz de acabar com a briga. Todos querem, mas sentem-se impotentes. Eu não. Posso fazer assim com a calça, puxar para cima [puxa as pernas da calça acima do joelho - evidenciando que o apresentador tem no pé direito uma meia azul e no esquerdo uma amarela - e a cintura próxima ao peitoral, fazendo com que ela se transforme em uma bermuda de palhaço. Risos] Patch Adams: Isso. Depois, vou no personagem de palhaço. Em trinta anos, 100% dessas brigas acabaram. São dez mil brigas. Ricardo Westin: Quando você está frente com o paciente com a doença grave a relação tem que ser um pouco diferente ou não?Patch Adams: Fiz vinte mil horas de palhaçada com paciente. Tenho um milhão de coisas para levar em cada contato. Tenho radar para todo lado, para todo mundo na sala… para tudo da sala. Primeiro, o meu olhar vai direto para os olhos deles, olhar de amor. Tenho muitos brinquedos, 20, 25 kg de brinquedos. Todos dentro das calças. Tenho um pato na cabeça, e carrego um peixe. O meu personagem de palhaço é um adulto com síndrome de Down. Porque o estilo dos adultos com síndrome de Down é amor incondicional e engraçado. Entro ali, você pode estar coberta de queimaduras o pior tipo. Eu não vejo. Vejo os seus olhos lindos. Você vê que eu não vejo. Você vê… eu vejo você… em qualquer seja o seu caso, pode estar à morte e eu estou do seu lado, na hora. Não imagino que vou curar pessoas. Nem imagino que vou ajudá-las. Imagino que sei que vou criar um relacionamento com elas. Esse relacionamento vai tornar mais fácil o que quer que seja. Um exemplo: na Rússia, a maioria dos hospitais não tem remédio pago, não tem dinheiro. Então, se tiver com crianças com câncer, elas podem ter metástase no último grau, que dizem ser a maior dor que um ser humano pode sentir. Uma mãe pode estar no quarto com o filho, que não pára de chorar há cinco meses, por que a metástase não desaparece. Nada tira a dor. Enquanto a criança estiver acordada, só se ouve choro e gritos de dor. Até ela ficar tão exausta que adormece. Quando o sono acaba, a dor reaparece e ela acorda chorando. E isso é a única coisa que a mãe vê na criança, durante meses. Sei que, 85% das vezes em que entro – e é como um palhaço – elas param de chorar. Por isso, peço pelo pior.
Cunha Jr.: Patch, infelizmente chegamos ao final do nosso programa. Eu quero agradecer aqui então a sua presença e também da bancada de entrevistadores. Agradecemos também a sua atenção e colaboração. Lembrando que o Roda Viva estará de volta na próxima segunda feira às dez e quarenta da noite. Até lá e uma ótima semana para todos!
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